terça-feira, abril 23

Nunca foi fácil


Depois que a última rosa foi cheirada, que a última lágrima foi derramada e que a última foto foi vista. Notei que a vida não seria tão justa quanto a que o futuro me prometera. 

Nasci e cresci de um sonho. Tive uma boa família, bons brinquedos. Meus pais colocaram-me em uma escola adorável e minha professora de língua portuguesa seria uma ótima referência para o resto da minha vida. 

Não sei em que momento essa escolha foi feita, e também não me lembro de ter tido opções ou estradas para serem rumadas. O futuro certo seria cheio de felicitações e muito promissor. 

Abandonado e abusado quando menor, eu não sabia que teria que reagir contra isso no futuro, e que se fosse para reagir, que eu ao menos tivesse ajuda. 

Aos quatorze anos de idade, minha namorada chamava-se Vanessa. Eu era certo das minhas atitudes, ou incerto, pouco sei sobre isso. Neste mesmo ano, o Marcelo. 

O mundo parecia estar contra mim e em alguns momentos até mesmo eu não estava do meu lado. Isso não era de mim. Mesmo sendo eu, “isso” não era eu. Quem disse que estava sendo fácil ou quem ousou dizer que eu acabei indo pelo lado mais fácil? 

Noites não foram dormidas, aulas não foram frequentas e o culto na igreja não foi assistido. Eu queria ter dormido para ter descanso mais e ter tido bons sonhos, ter tirado notas melhores nas provas e desabafado com meus amigos do colégio sobre; queria ter ido à igreja para saber mais sobre amor ao próximo. 

O viver e conviver não é tão fácil. As diferenças existem e não sou eu que sou diferente, você que é diferente. O seu time não é igual ao meu, o seu gosto não é igual ao meu, sua forma de pensar não é igual a minha, sua cor favorita não é a mesma que a minha, o meu grupo não é o seu e nem por isso você é apedrejado pela minha coligação. 

Gritos foram ouvidos, sirenes gritavam, familiares choravam e minha áurea já não estava mais lá. 

Depois que a última rosa foi cheirada, que a última lágrima foi derramada e que a última foto foi vista. Notei que a vida não seria tão justa quanto a que o futuro me prometera.

in memory, Saulo de Assis Lima

domingo, fevereiro 17

C'est la vie


Acordei e fiquei olhando para o teto do meu quarto naturalmente iluminado pelo sol. Imaginei o que poderia acontecer se não me levantasse da cama naquele dia, o que realmente mudaria se eu não fizesse mover as coisas ao meu redor. Talvez as pessoas sentissem a minha falta ou sentisse falta delas, talvez o celular sobre a mesa fizesse tocar a música 'More Than This’ quebrando o silêncio do barulho dos meus pensamentos, ou ele poderia não tocar. 

Levantei e notei que meus chinelos não estavam próximos à cama e não me recordo de ter ido dormir descalço. Isso seria algo que eu pensaria mais tarde ou fosse relevante.

A imagem do meu reflexo ao espelho não era a que eu realmente gostaria que fosse projetada. O que eu estava fazendo comigo mesmo? Penso qual seria o rumo que minha vida tivesse sido levada se eu tivesse feito outras escolhas, tivesse deixado a vida me escolher ou não ter feito escolha alguma.

Se chove ou faz sol não é algo importante para mim, ou eu deveria saber apreciar essas extremidades e me moldar para fazer minhas emoções aflorarem com tempo.

Penso em abrir a porta do quarto e perguntar para meus familiares, íntimo-desconhecidos, onde estou e quem eles são, se minhas torradas com pouca manteiga estão prontas ou se realmente gosto de torradas.

Melhor é voltar a dormir. Talvez eu viva num sonho, posso ser um sonho, posso ser real ou um personagem de videogame. Isso pouco me importa... C’est la vie!

quinta-feira, janeiro 31

Volte


Enquanto olho a luz do poste pela janela, noto meu café com leite esfriar, mas a minha atenção não é exatamente essa. Sinceramente eu gostaria de estar com você nesse momento e apreciar o seu rosto. A imagem que crio de você é exatamente da forma com que abraço os travesseiros no sofá, mas isso fica vago sempre que pretendo beijar os seus lábios e dizer que está sendo bom passar esse tempo com você. É ruim conversar só, mas talvez ficar só me faz ficar mais perto de você. 

Imagino você me pedindo para ter calma enquanto arrumo ou desarrumo minhas coisas e as coloco na mala. 

Se você estivesse aqui comigo mais uma vez, eu juro que faria as coisas de uma forma diferente. Não, eu não mudaria nada do que fiz, apenas viveria mais intenso os momentos ao seu lado. Volte para terminar o coração que desenhei no vidro embaçado do banheiro. Venha para terminar o resto dos meus sonhos. Venha dizer que seremos somente eu e você. 

Um dia que não terminou. Um “- bom dia” que não teve resposta. Um olhar amedrontado fixo a um olhar de ira. 

Espere por mim, me dê um tempo para arrumar minhas coisas e ir com você. Sim, isso não irá demorar muito, só alguns minutos. 

Se você estivesse aqui comigo mais uma vez, eu juro que passaria a não deixar a toalha molhada em cima da cama, não deixaria a porta da varanda aberta enquanto dormimos. Eu também iria cobrar que você deixasse a roupa suja no cesto e que levasse o prato para a pia assim que terminasse de comer, mas sabíamos que nos amávamos exatamente desse jeito. Volte e venha terminar de viver os meus sonhos. 

O relógio marcava 6:30 da manhã quando você se levantou para ir trabalhar, fingi que estava dormindo para você não me pedir um café da manhã naquela manhã de muito frio, ouvi o barulho do chuveiro e imaginei seu corpo nu sendo apreciado por suas mãos macias e o sabonete que tinha acabado de tirar da embalagem e quando você estava prestes a sair, senti seu beijo gelado na minha testa e seus passos te levando até a porta. 

É como se eu tivesse deixado as coisas livres demais, é como se parte de tudo fosse culpa minha. Quem sabe você perderia a hora se eu tivesse acordado também? Um dia que não terminou. Um “- bom dia” que não teve resposta. Um olhar amedrontado fixo a um olhar de ira. Um gatilho puxado e balas disparadas. 

Volte e venha terminar de viver os meus sonhos. 

Não, não quero ficar vendo a luz do poste que deixa as gostas da chuva mais visíveis. Meu café com leite esfriou e já não tem mais o mesmo gosto. Nada tem tido mais o mesmo gosto, graça ou sentido desde que você se foi, desde que te deixei ir, desde que te levaram. Volte, por favor, volte... Ou eu devo ir também? Ou eu deva parar de sonhar?

Kayran Fernandes

segunda-feira, janeiro 28

Eles não entenderão


Vamos tentar não dar importância ao que as pessoas dizem
Elas não saberão entender como nós nos sentimos agora
De todos os dias e todas as noites que nós nos sentimos dentro do outro
Não, eles não entenderão nada sobre nós

À tarde infinita que passeamos juntos no parque
De ver seus olhos brilhando na noite em que tivemos no ponto mais alto da montanha russa
Não, eles não saberão interpretar o que sinto por você

Do filme de terror que assistimos e você protegeu-me segurando minha mão
A canção que diz de um amor verdadeiro,
Do abraço firme que você me deu quando eu mais precisava de alguém comigo
Não, realmente eles não saberão nada

Estamos no caminho de descobrir que o ‘para sempre’ existe sim
Estou olhando as fotos que tiramos na noite no cinema
Todos os dias e todas as noites da minha vida
Merecem estar com você.

Kayran Fernandes